Luciano Nunes
Por onde andam os meus sapatos de galante
Se aqui passaram, perguntei ao cabineiro
Agasalhei meus pés de sons extravagantes
No olhar distante desse tempo marinheiro
Atravessando oceanos de sandice
Os meus sapatos de marinha me perderam
Nas correntezas abissais.
Que onda triste Naufragou-me?
Ressuscitando perguntei ao manobreiro
- As ondas turvas do desejo - ele me disse.
Toma outra vez o teu lugar de passageiro.
Fiquei na proa ouvindo o mar e sua prece
Pequena lágrima de versos vanguardeiros.
Então pedi à solidão que me guiasse
Ela me disse - Vai, meu faroleiro!!
ACROBATAS
Luciano Nunes
A fome do navio é abstrata
Porque navega mares virtuais
Mas no sinal vermelho escravocrata
Navios são crianças marginais
Que agora fazem gestos de acrobatas
Repetem movimentos medievais
Pedem com olhar de vira-latas
A prata envaidecida dos boçais.
A solidão sem fome é diplomata
Com um pouco de vinho se refaz
Porém, sem pão a poesia mata
Intimorata invade catedrais
Com a ferocidade dos primatas
E a loucura exata dos chacais.
MARGINAL
(Ao poeta José Terra)
No último instante me vi sentimental
O azul do litoral pernambucano
Bebendo água de coco e lendo um marginal
Naquele sepulcral cotidiano
O livro do poeta cresceu no manguesal
Dos versos livres metropolitanos
E aquela solidão achei helicoidal
Um caranguejo tocando piano
Pensei por um segundo num nicho virtual
Do lodo lexical provinciano
Mas qual seria o dano d’um poema frugal?
E sei, não faço o tipo parnasiano.
São coisas da poesia universal
Dos hematófagos baudelerianos.
MANGUE PERDIDO
Luciano Nunes
Naquele shopping center, já faz tempo
Eu vi um caranguejo arrebatado
E Josué de Castro revoltado
Tentando apaziguar o sofrimento
Eu levo alguns chiés no pensamento
Para lembrar a origem do meu fado
Carrego um viaduto atravessado
Na goela indignada do silêncio
Não ver mais as piabas em lagoas
Ou no brilho acaju do amanhecer
Os pés de vento levando as canoas
Além das ondas turvas do saber
Eis meu verso triunfal, caro Pessoa
Esse mundo pós-moderno é de doer.
VERMELHO
Luciano Nunes
O arquétipo melhor é o dessa moça de vermelho
Na angra passeando assim vestida de espanhola
Uma dúzia de cantigas trina a sua castanhola
Enquanto soçobrada em seu luar feito de espelhos
Reflete a perdição da carolice de joelhos
Na procissão hodierna sempiterna cantarola
A moda d’outras asas esquecidas em gaiolas
Espalha-se o limo corrompido nos fedelhos.
Renasce o velho caos, os novos entes de caverna
Por ora obediente à pervertida alma hodierna
Com mantos pueris uniformizando o fronte
Despedaçando espelhos só matéria escura externa.
O arquétipo melhor para esse tempo de caserna
É a moça de vermelho degolando o horizonte.
BELL’S
Luciano Nunes
Numa esquina de um dezembro ocidental
Encontrei com Jesus Cristo camuflado
O seu corpo de molambos embrulhados
Ao mostrar-me a face, nada angelical
Atirou-me aquele olhar intestinal
De quem anda pelo mundo feito gado
Perguntou-me - O que é que fiz de errado?
Respondi - A sua fome é ilegal.
Fui embora me julgando abençoado
No meu carro prata pós-modernizado
E nem cri naquele pobre ser fecal.
Mais adiante noutra esquina do tablado
Meu possante capotou desgovernado
E era tarde pra entender o que é o Natal.
ÍNDIO CARA DE LUA
Luciano Nunes
Por toda vida levarei esse menino
Dentro dos mares tempestivos do olhar
E nos meus sonhos, ele assim me levará
Pelas paisagens imprecisas do destino
Escuto sempre o tanger do alegre sino
Que ele pôs na catedral pra me avisar
A vida é boa e tudo sempre passará:
A catedral, a oração e o peregrino
Por ser um sonho escolho ser feito de ruas
Feito de mangues, rios, aldeias medievais
Serei o índio caeté Cara de Lua
Olhando o brilho dos quasares celestiais
Com o menino a me dizer – fique na sua !
Pois muita coisa ainda lhe falta viver mais !
DURKHEIM
Luciano Nunes
Quando vi que a vida é plena de magia
Mas a fome pode atar nosso barato
Me alienei, sem assinar contrato
Fiz da estrada minha metodologia.
Na poeira encontrei filosofia
Transitoriamente examinando os fatos
Percebi que o social é um pé no saco
E o normal em si já é patologia.
No meu tempo não tem horas de concreto
E a subjetividade está em tudo
Quando, às vezes, sou-me turba, estou deserto
Fiz meu alvo me espelhando no absurdo.
A minha sociedade um livro aberto
Um insólito objeto de estudo.
ALDEBARÃ
Luciano Nunes
Deixe o rio atravessar esse deserto
Com essa língua silenciosa e sem manhã
Bem assim, nem tanto asa nem concreto
Deixe o rio sob o céu de Aldebarã
Sempre um horizonte aceso ali bem perto
Feito um cheiro de bebê na alma cã
Pra bem tarde e já depois, mas fique certo
Nascerá de novo o sol de Aldebarã
Anoitece, um barco abisma, submerso
Na memória saltitando feito rã
Deixe o rio anoitecer dentro do verso
Mas não leve o arrebol de Aldebarã.
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